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Desmatamento explica 75% da perda de chuvas na Amazônia, diz estudo

  • Foto do escritor: Prof. Daniel  Fernandes
    Prof. Daniel Fernandes
  • 27 de out.
  • 4 min de leitura
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Pela primeira vez, pesquisadores quantificam papel do desflorestamento na transformação climática que ocorre no bioma durante a estação seca


A maior floresta tropical do mundo está mais quente e menos chuvosa. De acordo com um estudo publicado na Nature Communications, o agente central por trás dessas transformações é o desmatamento. Os resultados indicam que aproximadamente 75% da redução das chuvas e 16,5% do aumento da temperatura do ar próximo à superfície da Floresta Amazônica estão ligados à perda de cobertura florestal. Entre 1985 e 2020, o bioma deixou de receber 21 milímetros de chuva por estação seca, valor que representa uma redução em torno de 8% da chuva do período.


Caso as taxas persistam, a previsão é de que, em 2035, a região amazônica tenha um aumento total de 2,64ºC na temperatura e uma redução de precipitação de 28,3 milímetros por estação seca em comparação a 1985. “Esses valores começam a se aproximar do ponto de não retorno”, alerta Luiz Machado, pesquisador visitante do Instituto de Física (IF) da USP e coordenador do estudo. “Esse ponto é complexo de definir, porque ele não depende só do clima, ele depende da vegetação. Mas a vegetação que é mais sensível à falta d’água pode, sim, desaparecer.”


“O que observamos é que os efeitos de redução de precipitação e de aumento de temperatura são muito evidentes na estação seca”, diz Marco Franco, um dos autores da pesquisa e professor do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP. Ele explica que “sempre choveu na Amazônia. Mas, ao longo dos últimos anos, têm ocorrido secas muito intensas, e isso desencadeia uma série de impactos no bioma, como as queimadas”. 


Franco lembra que esses efeitos não ficam restritos à Amazônia. A redução de chuvas na estação seca também compromete o Cerrado e o Pantanal, que dependem da umidade transportada pelos “rios voadores” — responsáveis por parte significativa das chuvas nessas regiões. Segundo ele, a diminuição desse fluxo pode comprometer a agricultura, inclusive a produção da safrinha – que ocorre após a colheita da safra central de um cultivo.


A pesquisa ainda aponta que o clima amazônico responde ao desmatamento de forma não linear, uma vez que o impacto é mais intenso nos primeiros 10% a 40% de área desmatada. Para Franco, o cenário reforça a urgência na preservação do bioma.


“Isso significa que é fundamental preservar o bioma. Porque se você não preserva, ele sentirá o desequilíbrio”Marco Franco


Nas últimas décadas, a combinação do aumento da temperatura global devido às emissões de gases de efeito estufa e do desmatamento demonstrou alterar os ciclos hídricos, de carbono e de energia da Amazônia. No entanto, pesquisas não haviam quantificado esses fatores e seus papéis relativos na transformação da floresta amazônica.


Chegando aos resultados


Os autores recorreram a 35 anos de dados do MapBiomas, entre 1985 e 2020, para identificar as transformações no uso da terra na Amazônia Legal. Assim, a área em análise foi dividida em 29 blocos de 300 por 300 quilômetros e os pesquisadores cruzaram as informações de cobertura florestal com dados de temperatura, da precipitação e dos gases de efeito estufa obtidos por satélites e reanálises.


“Através do sensoriamento remoto, pegamos dados de precipitação, do metano, do dióxido de carbono e da temperatura máxima próxima à superfície, porque, caso contrário, seria impossível olhar para a Amazônia de uma forma integrada”, explica Franco. Ele destaca que a temperatura máxima foi escolhida por ser o parâmetro em que os efeitos da perda da vegetação são mais intensos.


Com essas informações, os pesquisadores desenvolveram uma equação paramétrica, que relaciona os efeitos das emissões de gases com o desmatamento. Foi assim que eles conseguiram quantificar quanto do aquecimento e da seca se deve às emissões globais e quanto é resultado direto do desflorestamento; 75% da redução das chuvas tem relação direta com o desmatamento, enquanto o restante é atribuído à emissão de gases. No aumento de 2 °C na temperatura, 0,4 °C são resultado da perda de cobertura vegetal.

 

Futuro da amazônia


Embora o aquecimento global explique a maior parte da elevação das temperaturas na Amazônia, os 0,4ºC adicionados pelo desmatamento não são nulidades. “Parece pouco, mas não é”, aponta Franco. O professor enfatiza que os extremos de calor e de redução das chuvas se acentuam nas regiões mais desmatadas, o que amplifica os eventos climáticos extremos em escala local e regional.


Caso o desmatamento avance de forma contínua, a Amazônia pode ser levada para um regime climático semelhante ao do Cerrado, com estações secas mais marcadas e maior contraste com o período chuvoso.


“Essas tendências de desflorestamento e aumento da temperatura estão levando a Amazônia a ter um ciclo sazonal cada vez maior. Mas a resposta da vegetação pode ser diferente, não se sabe como a vegetação vai reagir a isso. Em regiões onde a vegetação é um pouco resiliente, pode haver uma redução de altura das árvores”Luiz Machado


Para Franco, esses dados são cruciais, agora que a Amazônia está no centro do debate internacional. “Este ano é o ano da COP30, em Belém”, ressalta. “Os números que apresentamos precisam servir de guia para os tomadores de decisão. É fundamental proteger e reflorestar o bioma, porque os efeitos são muito drásticos quando se remove a cobertura vegetal. E, quando cada país sentar à mesa de negociação, todos terão de saber a conta que lhes cabe pagar.” 


O artigo How climate change and deforestation interact in the transformation of the Amazon rainforest pode ser acessado neste link


Mais informações: marco.franco@usp.br, com Marco A. Franco, e lmachado@if.usp.br, com Luiz A. T. Machado


 
 
 

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