Professores no Século XXI: o que revela o TALIS 2024
- Prof. Daniel Fernandes
- 15 de out.
- 5 min de leitura

Foto: Studio Wix
O relatório mais recente do Teaching and Learning International Survey (TALIS 2024), conduzido pela OCDE e lançado em outubro de 2025, trouxe dados reveladores sobre a profissão docente em escala global. Com a participação de 280 mil professores do ensino fundamental II em 17 mil escolas de 55 sistemas educacionais, a pesquisa oferece um panorama amplo sobre a realidade dos educadores em diferentes contextos.
No Brasil, de acordo com a TALIS 2024, 65,3% dos professores dos anos finais do ensino fundamental são mulheres, evidenciando a feminização do magistério no país. Esse percentual é inferior à média dos países da OCDE, as é de 69,8%, mas superior aos índices observados nos países da América Latina que participaram da pesquisa: Chile (62,7%), Costa Rica (57,9%) e Colômbia (54,6%).
Nos anos iniciais do ensino fundamental no Brasil, a presença feminina na docência é massiva, com 87,9% dos professores sendo mulheres, segundo dados da TALIS 2024. Esse índice não só confirma a forte feminização da profissão nessa etapa educacional, como também posiciona o Brasil em mais de 10 pontos percentuais acima da média dos países participantes (77,5%). O percentual brasileiro é um dos mais altos registrados, superando nações como França (87,6%) e Austrália (85,6%), e ficando muito próximo de países como Eslovênia (90,1%) e Nova Zelândia (89,8%).
A série histórica dos dados da TALIS revela uma tendência de queda na proporção de professoras nos anos finais do ensino fundamental no Brasil ao longo das últimas quatro edições da pesquisa. O percentual, que era de 73,6% em 2008, sofreu uma redução gradual, passando para 71,1% em 2013, 69,0% em 2018 e chegando a 65,3% em 2024.
Satisfação e sentido da profissão
O ambiente escolar e a forma como os professores são percebidos pela sociedade podem ter um grande impacto sobre se os professores se sentem apoiados e empoderados. Quando os professores se sentem respeitados e valorizados pela sociedade, isso ajuda a atrair candidatos de alto calibre e desempenha um papel na sua retenção.
Dados do TALIS que o status de satisfação dos professores declinou em alguns países, mas permanece elevado em outros. A média da OCDE é de 73% e, no Brasil, o nível de satisfação cai para 71% na Arábia Saudita, Singapura, Emirados Árabes Unidos e Uzbequistão, no entanto, a proporção de satisfação chega a 92% no Vietnã. Professores que acreditam que a profissão é valorizada pela sociedade têm menos probabilidade de querer deixar o ensino nos próximos cinco anos, em média.
Em comparação com outras carreiras, os professores relatam menores índices de estresse: somente 20% afirmam vivenciar altos níveis de pressão diariamente, contra 40% da média global de trabalhadores. Ainda assim, em países como Canadá, Austrália e Malta, mais de 30% dizem sofrer estresse intenso.
Outro ponto crucial é o reconhecimento. Onde os docentes se sentem valorizados — como no Vietnã, Arábia Saudita e Singapura — a tendência de abandono da carreira é significativamente menor. Já em nações do Báltico, somente 20% dos professores acreditam que a profissão é socialmente respeitada, contribuindo para índices alarmantes de intenção de desistência, especialmente entre os mais jovens.
O envelhecimento da categoria e a retenção dos jovens e os desafios nas salas de aula
A distribuição etária dos professores do Brasil nos anos iniciais do ensino fundamental está amplamente alinhada com a média internacional da TALIS 2024. A maioria dos docentes, 63,4%, encontra-se na faixa etária de 30 a 49 anos, um percentual ligeiramente superior à média de 61,7% dos países participantes.
A proporção de professores com 50 anos ou mais é de 25,4%, também muito próxima à média da TALIS, de 24,6%. Por outro lado, o Brasil apresenta uma proporção um pouco menor de professores com menos de 30 anos (11,2%) em comparação com a média de 13,7%, sugerindo uma entrada um pouco mais tardia na carreira nessa etapa de ensino.
O relatório evidencia um envelhecimento progressivo do corpo docente. Em países como Portugal, Letônia e Lituânia, a média de idade ultrapassa os 50 anos. Isso aumenta o risco de escassez de professores, agravado pelo fato de muitos jovens deixarem a carreira nos primeiros anos.
Em contrapartida, países como Itália e Islândia têm conseguido atrair e reter novos talentos por meio de reformas, incentivo à formação continuada e carreiras mais estáveis. Na Islândia, por exemplo, uma série de medidas elevou em 160% o número de graduados em cursos de pedagogia entre 2019 e 2022
Indisciplina na sala de aula
Outro dado preocupante é o aumento do tempo dedicado à disciplina: de 13% em 2018 para 16% em 2024, em média. No Brasil, 57% dos professores relatam enfrentar grande desordem em sala, quase o triplo da média da OCDE. A indisciplina está fortemente ligada ao uso de celulares e à desmotivação dos estudantes, exigindo dos docentes novas estratégias de gestão, agora também voltadas à educação digital e ao uso responsável da tecnologia.
Inteligência Artificial: O Novo Desafio
Um dos temas mais sensíveis do relatório é o uso da inteligência artificial (IA) na educação. Um terço dos professores já utiliza ferramentas de IA, principalmente para planejamento de aulas e correção de trabalhos. Em países como o Uzbequistão, até 85% dos docentes usam IA para corrigir avaliações.
Embora muitos vejam a tecnologia como aliada para reduzir a sobrecarga, especialistas alertam para riscos de viés, perda de vínculo pedagógico e problemas de privacidade. A OCDE recomenda que governos estabeleçam diretrizes claras e desenvolvam a alfabetização em IA para educadores, garantindo que a tecnologia complemente, e não substitua, o olhar humano.
O TALIS 2024 também destaca o avanço de práticas como mentoria para professores iniciantes e colaboração docente. Países como Singapura e Holanda lideram a implementação de programas de tutoria estruturada, enquanto o Brasil registrou aumento no tempo médio de colaboração semanal entre docentes, de 3,5 para 5 horas. Essas iniciativas fortalecem a confiança dos iniciantes, reduzem a evasão da carreira e promovem práticas pedagógicas mais inovadoras e eficazes.
Crescimento Pessoal e Mentalidade de Aprendizado
Por fim, o relatório demonstra como a adoção de uma mentalidade de crescimento (growth mindset) pode impactar positivamente a aprendizagem. Em países como Brasil, Chile e Canadá, mais de 85% dos professores acreditam que a inteligência pode se desenvolver. Já em contextos como Vietnã e África do Sul, essa crença é compartilhada por somente metade dos docentes, o que pode limitar expectativas sobre o potencial dos alunos.
O TALIS 2024 pinta um retrato multifacetado da docência global: professores felizes e engajados, mas enfrentando pressões crescentes — da indisciplina em sala ao envelhecimento da categoria, passando pelo dilema da inteligência artificial.
As soluções apontadas pelo estudo — valorização social, programas de mentoria, incentivo à colaboração e diretrizes claras para o uso da tecnologia — evidenciam que a chave para enfrentar os desafios da educação do século XXI não está somente em recrutar mais professores, mas em apoiar, valorizar e preparar aqueles que já estão em sala de aula.
.png)



Comentários